6 de junho de 2011

1799, 1874 e 1914 - As Datas Marcadas

1799, 1874 e 1914 - As Datas Marcadas


O encontro com Nelson Barbour constituiu, sem dúvida, um divisor de águas na carreira do jovem Russell. Anteriormente voltado para a questão doutrinária sobre o sacrifício de Jesus Cristo e algumas crenças básicas secularmente aceitas pelas igrejas "organizadas", como ele dizia, as quais supostamente impediam o retorno ao Cristianismo simples do primeiro século, Russell, a partir deste ponto, enveredou pela mesma trilha de tantos outros, antes e depois dele. Paradoxalmente, talvez esta mudança tenha sido a maior força e, ao mesmo tempo a maior fraqueza de seu ministério. Debruçando-se sobre trechos distintos das Escrituras e aproveitando cálculos escatológicos já publicados - entre eles, o de John Acquila Brown, em 1823 e o de Nelson Barbour, em 1875 - Russell adotou o mesmíssimo princípio "dia-ano" dos rabinos do primeiro século, aplicando-os arbitrariamente a certas passagens bíblicas, até chegar a sua tríade de datas: 1799, 1874 e 1914.

A esta altura, é útil reconstituir a trajetória de Nelson Barbour, posto que fora ele que, por assim dizer, "passara o bastão" da escatologia a Charles Russell. Como já vimos, ele fizera parte do movimento millerista, tendo dele se afastado após o fiasco de 1844. De modo que, desapontado, passou a buscar outros alvos em sua vida. Viajou para a Austrália, onde trabalhou por algum tempo como mineiro. Em 1859, durante uma viagem marítima para os E.U.A. - como que não resistisse à sua inclinação natural - começou a reler as profecias bíblicas e pensou ter descoberto o erro de Miller, ou seja, o ponto de partida para a contagem dos "dias" da profecia de Daniel estaria errado em 30 anos. A data correta para a volta de Jesus Cristo seria 1874, e não 1844. Chegando a Londres em 1860, visitou a biblioteca do Museu de Londres e, lá, encontrou a obra Horae Apocalypticae e, nela, uma tabela com os cálculos do Reverendo Christophen Bowen, os quais levariam ao ano de 1874 como aquele que marcaria os 6.000 anos de criação do homem. Isto só reforçou as convicções de Barbour, no sentido de que seus cálculos, agora sim, seriam os corretos. Indiferente aos sucessivos fracassos daqueles que o antecederam, ele começou a divulgar seus achados, a partir de 1868 - época em que o jovem Russell vagava sem fé, um ano antes de assistir o sermão do pastor Jonas Wendell, o qual mudaria sua vida, e dois anos antes dele formar seu grupo de estudos.

Barbour publicou, então, diversos panfletos sobre sua teoria, incluindo o Evidences for the Coming of the Lord in 1873 [Evidências da Vinda do Senhor em 1873] , publicado em 1870, até o lançamento de uma publicação mensal, The Midnight Cry [O Grito da Meia-noite], em 1873, ou seja, apenas cerca de um ano antes da tão esperada data. Só que, assim como foi para William Miller e muitos que o antecederam, a chegada de 1874 nada trouxe, além de desapontamento. Todavia, o obstinado Barbour não se daria por vencido. Valendo-se da forma com que Benjamin Wilson vertia a palavra parousia (Mateus 24 : 37,39), referindo-se a Jesus Cristo, por "presença", e não "vinda", Barbour insistiu na correção de seus cálculos, não abrindo mão da data de 1874, mas mudando apenas a forma com que Cristo retornaria - invisivelmente. Deste modo - sustentava ele - Cristo estava "presente" desde 1874. Convicto da veracidade de tal evento, ao mesmo espetacular e, paradoxalmente, despercebido pelo mundo inteiro, no ano seguinte, 1875, Barbour mudaria o nome de sua publicação The Midnight Cry [O Grito da Meia-noite] para outro mais apropriado, Herald of the Morning [Arauto da manhã], o mesmo que - no ano de 1876 - chegaria às mãos de Russell e motivaria o encontro entre os dois. Não se pode negar que, vistas por este ângulo, as coisas ficariam mais convenientes, afinal, uma presença "invisível" é algo difícil de se atestar ou contestar...

Assim, ainda no ano de 1876, após o encontro com Barbour, Russell escreveu um artigo que foi publicado no periódico de George Storrs, ou seja, Bible Examiner, sob o título "Tempo dos Gentios: Quando Eles Terminam?". Neste artigo, ele defendia a tese de que os 2.520 "dias" da profecia de Daniel iam de 606 AC a 1914 DC, data em que findariam os assim chamados "Tempos dos Gentios" (Lucas 21: 24). Tratava-se de uma previsão inédita? Absolutamente não. Nelson Barbour já havia publicado a mesmíssima previsão no ano anterior, em seu periódico Herald of the Morning [Arauto da Manhã].

O ano de 1877 assistiu à fusão dos grupos de Pittsburgh - liderado por Russell - e de Rochester - liderado por Barbour. Os dois, com a cooperação de outro associado de Barbour - John Paton - iniciaram um trabalho de divulgação ombro-a-ombro, o qual se materializou na obra Three Worlds [Três Mundos], da autoria de Barbour, mas com o apoio intelectual e financeiro de Russell, o qual, também neste ano, publicaria o panfleto The Object and Manner of Our Lord's Return [O Objeto e Maneira da Volta de nosso Senhor]. Além disso, ele passou a aparecer como co-editor da publicação Herald of the Morning [Arauto da Manhã], ao lado de Barbour e Paton. Todavia, esta seria uma união que duraria pouco.

Um dos pontos que o livro de Barbour destacava era que o ano de 1878 seria marcado pelo arrebatamento dos 'santos' ao céu. Quando tais esperanças não se materializaram, ocorreu o primeiro cisma no ministério de Russell, com muitos deixando o movimento. Ao passo que Russell permanecia apegado à teoria da 'invisibilidade' - adotada após o fiasco de 1874 - este novo desapontamento exerceria sobre Barbour um efeito análogo ao que William Miller experimentara 34 anos antes. Não era de supreender que fôsse assim, já que se tratava da quinta desilusão religiosa em sua vida - 3 delas no seu tempo de millerista e 2 consigo próprio - coisa pela qual Russell, mais jovem e menos experiente, não passara. De modo que foi impelido em outras direções. Isto não tardou a produzir discordâncias doutrinais francas e abertas entre eles, o que culminaria com o rompimento da parceria.

No ano de 1879 - em meio a uma troca de acusações - Russell retirou-se oficialmente da sociedade , acompanhado de Paton, com o qual também romperia, tempos depois. Agora o então 'pastor' Russell achava-se financeira e mentalmente pronto para lançar as bases de seu próprio movimento, por meio da criação de um periódico - Zion´s Watch Tower and Herald of Christ´s Presence [Torre de Vigia de Sião e Arauto da Presença de Cristo], datado de Julho de 1879. Esta publicação, anos à frente, passaria a se chamar simplesmente WatchTower [A Sentinela], a literatura mais popular das Testemunhas de Jeová. Cinco anos depois, Russell, registraria oficialmente a Zion´s Watch Tower Tract Society [Sociedade Torre de Vigia de Tratados de Sião] , na Pensilvânia. Esta corresponde atualmente à Watchtower Bible and Tract Society [Torre de Vigia de Bíblias e Tratados], em Brooklyn, New York, além da sede na Pensilvânia.

Zion's Watch Tower - o primeiro periódico de Russell

Durante o restante de seu ministério, até o ano de sua morte - 1916 - Russell apegar-se-á tenazmente à significância das datas 1799, 1874 e 1914, as duas últimas aprendidas com seu ex-parceiro, Barbour. E quanto à primeira?

Bem, até aqui, vimos que Russell, em seu encontro com Barbour, aceitara a tese da "presença" invisível de Cristo, desde 1874. Também vimos que, um ano depois de Barbour ter publicado tais doutrinas, ele reproduziu, em um artigo, a mesma tese, a qual apontava para 1914 como o fim dos "Tempos dos Gentios" . Quanto ao ano de 1799 - esta data foi altamente significativa para os estudiosos de profecias do século dezoito. Com quase um século de antecedência, o livro The Rise and Fall of Papacy [Ascensão e Queda do Papado], de autoria de Robert Fleming, previa a queda da monarquia francesa e do poder papal para 1794. Embora esta data não tenha sido de todo precisa, caiu bem dentro da Revolução Francesa (1789-1798), período aceito pela maioria os historiadores como um ponto de virada na história humana. Em razão disso, durante a revolução, o livro foi reimpresso na Inglaterra e na América. Em 1798, deu-se um acontecimento espetacular: o Papa foi deposto e exilado pelas tropas de Napoleão Bonaparte, parecendo confirmar a previsão de Fleming. Em vista do significado do poder papal para os dissidentes da Igreja Católica e os estudiosos de profecias bíblicas, o movimento adventista adotou, então, a data de 1798 como o começo do "tempo do fim", sendo mantida ainda hoje pelos Adventistas do 7o. Dia. Charles Taze Russell incluiu-se entre os que aceitariam este ponto da história como sendo biblicamente significativo, modificando ligeiramente a data para 1799.

Assim, com ideais de renovação cristã na bagagem, mais o combustível da escatologia milenarista, estavam lançadas as bases da cruzada missionária de Russell, a qual atravessaria a virada do século vinte, até nossos dias.

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